Chã. Pisoteada. Eram tantos pés sobre sua cabeça tronco e
membros que não sabia mais onde terminava ou descambava. Seu corpo, doce lar de
escarros, pontas de cigarro, merda emplastelada, mijo em litros. Mas era a
única a ter do céu visão total e indivisível. O céu nunca se repetia. Doce lar
de tocos de estrelas, asas e coisas passageiras, eram constantes sobre ele as
nuvens; sobre ela, as solas. Intercaladas em um movimento contínuo de revelar /
esconder as partes íntimas do firmamento. Dele, Chã era a versão menor, a pobre
da família, espelho de água suja refletida em cristal austríaco. Ao vê-lo de
maneira privilegiada, contentava-se em ter tantos pés sobre suas carnes. Disso,
até se esquecia, com um sentimento de superioridade doído, causado por esse paralelismo
espacial do qual era ao mesmo tempo vítima e imperatriz.

Uma crise a abatia,
devido à dureza de viver tamanha contradição. Escorrida, plana, asfáltica.
Naquele dia, 11 de novembro, o sol arrastado do céu se exibia mais do que de
costume. Gerava incômodos a ponto de criar rebeliões entre as nuvens, que
rapidamente se juntaram em um motim. Chã estava habituada a assistir às
revoluções tão comuns nesse terreno aéreo de egos e disputas por visibilidade e
espaço. O contraponto para o estrelismo do astro rei foi condensado em
ajuntamentos nebulosos munidos de tambores soturnos, trombetas ensurdecedoras,
maquinetas de gerar raios mortíferos. A noite avançou sobre o dia em um excesso
de massas acaloradas. Correria, estrondos, gritos guturais, debandadas de pássaros
ocultaram o sol. As estruturas do céu foram abaladas, fissuras foram criadas,
houve rebuliço, movimentação, águas desabaram, ventos arremeteram.
Pra ela
sempre sobrava. Lascas de céu tombariam cairiam sobre sua cabeça, tronco e
membros. Chã estava preparada para receber a parte que lhe cabia, essa era a
única maneira de ambos passarem do contato exclusivamente visual para o físico.
Céu desabou sobre Chã. Ao gozar, ambos estremeceram.